quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Dia de recordar

Depois de ires para o céu não conseguia ver e falar com velhotes... Tudo me fazia lembrar-te e sentir-te...Chorar-te.

Não conseguia, entrava em pânico, tentava fugir, mudar de rota, pensar urgentemente noutras coisas.
Em todos os trabalhos que fazia na escola, tentava ao máximo que não fizéssemos nada sobre velhice, sobre coisas relacionadas com lares e velhotes e coisas assim... Mesmo em Gerontologia, arranjei bons argumentos para escolhermos um tema positivo e em que a velhice fosse pouco marcada. Lá foi o "Envelhecimento activo"...ufaa..

Acho que depois foi sendo mais fácil.

Também me ia obrigando a lidar com pessoas mais velhas, tentar não encontrar nos gestos dos outros, traços teus, vozes e respirações tuas.

Mesmo para pessoas "normais" é difícil lidar com a velhice representada por alguém, é-nos difícil olhar para alguém mais debilitado e com a vida nos seus últimos anos. Ainda fica mais dificil quando alguém do nosso sangue se vai embora.

Sempre achei que não ias. Mesmo quando era mais crescida, sempre achei que ias ficar cá. Só ias... não sei quando. Talvez nem fosses.

Um dia disse-te que ias ver o fundo do mar comigo, num submarino. Noutros dizia-te que iamos a uma festa, que tinha um vestido verde todo bonito só para ti. E tu dizias "Está bem.".


Hoje fui a um centro de dia fazer actividades com um grupo de velhotes.

Ontem estava com aquela sensação estranha de medo.

Medo de não saber como ia ser, como ia estar quando entrasse.

Mas passou-se. Ajudou muito não haver ninguém com a tua pele, ninguém com a tua voz, ninguém de olhos azuis e sorriso sem dentes.

Eles gostaram. E eu vim embora sem pensar muito em ti.


Tenho saudades tuas.

Já não o digo há muito tempo.

Ias gostar de saber que estou mais próxima de Deus.
Já deves saber, mandas-te um raio qualquer e eu, totó, segui-lhe o rasto :)

Gostava muito daqueles dias em que, de um momento para o outro, começavas a cantar músicas do antigamente.

Depois rias como uma criança.

Dobravas panos e rias.

"Tão vó, que é isso? Variou?"

E tu não respondias de tanto rir.

Fazias-me mais humana. Mais próxima, mais querida, mais atenta.

É isso que sei agora.

Existem duas vidas em mim: contigo e sem ti.

Uma coisa que se aprende é que a natureza tem os seus momentos, as suas regras.
E tinha de ser assim.
E eu sempre aceitei, nunca disse que não era justo.

Mas disse, e muito alto, que precisava de ti, que não podia ser já.

Porque a criança dizia "Ela nunca vai embora, sabias?". E eu deixei que a verdade dela fosse eterna.

Um beijinho*

1 comentário:

diga lá então...