segunda-feira, 14 de março de 2011

Estátua de algodão

Quando ela se deita, tudo o que nela é brusco e violento adormece muito antes do seu corpo. É por isso que depois do jantar ele conta os minutos um a um, à espera do momento em que lhe pode perguntar como correu o dia, uma pergunta trivial que deixou de o ser há algum tempo, não se lembra bem quando. Ela responde sempre abanando os ombros como se quisesse enxotar a pergunta. Às vezes fazem amor, embora raramente, e quando o fazem acabam abraçados até adormecerem os dois. Nessas noites não há trivialidades.
Normalmente é ele quem adormece primeiro, e ela petrifica o corpo como uma estátua de algodão para não o acordar. Petrifica o corpo, não a mente, que fica a responder a si mesma à pergunta que nessa noite ele não fez porque fizeram Amor. A merda do dia nunca correu bem, e é só nessas alturas que ela gostava de lhe poder dizer isso, que a violência latente que nela habita não é por ele, é pela merda do dia. Pena ele estar a dormir.
Ele não sabe que nela, as palavras que lhe vão ficando prisioneiras nos lábios sempre que abana ombros também a vão aprisionado nelas. É uma ansiedade crescente que a impede de dormir depois do sexo.
Ela não sabe que nele, esses raros actos de Amor e sexo são sempre o sinal de que o dia seguinte será melhor, e que é essa aparente acalmia, aninhada numa estátua de algodão, que o põe apressadamente a sonhar.

Retirado de http://naocompreendoasmulheres.blogspot.com/search?updated-max=2011-03-06T23%3A29%3A00Z

2 comentários:

  1. muito bem retirado!

    Uauuuu.

    Estátua de algodão!!!

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  2. eu sou boa a tirar coisas dos outros :)

    fiquei toda arrepiada com este texto..que lindo que ele é...

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diga lá então...